Envelhecer é uma arte. Escrever também. Mas ser editor é apenas um ofício, por vezes complicado.
Na sexta-feira anterior ao Carnaval, recebemos na portaria da editora, em mãos, um pacote enorme. Era um original, que o nosso porteiro trouxe de imediato para mim. Como de costume, li as três primeiras páginas e separei na pilha dos originais sem futuro, para os quais eu dedico uma leitura mais apurada apenas quando terminei as pilhas de originais prontos e originais passíveis de mudança. Todos recebem minha atenção, e sou até muito criticado por isso em um mercado onde a maioria das editoras grandes como a nossa sequer aceita originais. Mas tenho alguma comiseração por aqueles autores, que dedicam por vezes meses ou ano para concluir um texto sem condições de ser publicado. Faltaram-lhe no caminho quem lhes desse uma palavra de direcionamento e é por isso que respondo a todos os originais enviados.
Mas aquele pacote da sexta-feira de Carnaval me renderia problemas. Ontem à tarde, em plena Quarta-feira de Cinzas, recebi um telefonema da filha do autor daquele original. Ela queria saber se o original havia sido aprovado. Nesses termos, "aprovado". Não recebo nunca telefonemas de autores, mas descobri que aquele original tinha sido escrito pelo pai de uma de nossas distribuidoras.
Com toda educação, disse a ela que o original não atendia a nossa linha editorial. "Como não?", ela contestou, "É um romance de um senhor de oitenta e três anos, isso não vai vender? Um senhor de oitenta e três anos, que nunca escreveu nada na vida, de repente resolve escrever um romance. É claro que o público vai querer comprar".
Ah, se a idade fosse critério para publicação... Se um autor, precoce ou tardio, escreve um livro memorável, é claro que a pouca ou muita idade poderá ser usada como elemento de divulgação da obra. Mas nunca o oposto. A idade do autor, por si só, não é critério para definir se um livro é "publicável" ou não.
Mas como explicar isso para uma mulher cujos deveres de filha apagam de sua mente o que aprendeu em anos de distribuição de livros? É que, no Brasil, dá-se um jeitinho para tudo. Menos aqui na minha mesa de editor.
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