segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A literatura como promessa


Todos os grandes clássicos da literatura começam com uma promessa. "Anna Karenina" inicia-se com uma brilhante constatação: "Todas as famílias felizes são iguais. As famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira". E essa frase repleta das certezas do narrador intruso carrega-nos com interesse para saber qual o sofrimento daquela família infeliz retratada por Tolstói. Até mesmo a "Ilíada", a fonte de toda a prosa e poesia ocidental, inicia-se com uma promessa, "Ó, Musa, celebra a ira do peleu Aquiles, o irado tresvario que tantas penas trouxe e inúmeras almas lançou ao Hades", ou algo assim: uma promessa que seguimos sem fôlego, para descobrir que ato de ira foi esse, de apenas um homem, mas capaz de destruir o destino de tantos. A boa literatura, enfim, é sempre uma promessa do que virá no decorrer dos versos, palavras, frases e enredos.

Por que então, expliquem-me, por que os novos autores insistem em começar seus originais com uma descrição demorada e enfadonha de uma rua, uma sala esfumaçada ou um protagonista sem graça, listas sem fim de detalhes de importância questionável e que nada prometem?

Minha vontade é lançar pela janela do escritório mais esse original aqui, iniciado com uma boboca enumeração de atributos de uma tal "morena clara, alta como uma modelo, com sombrancelhas (sic!) que escurecem o rosto e um batom vermelho sensual, da mesma cor do vestido provocante"... Por favor, meu filho, volte para os rascunhos e me encontre lá uma promessa. Por ora, só me resta colocar o triturador para funcionar, por pura piedade da vizinha aqui do prédio.

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